quinta-feira, junho 26, 2014

HISTÓRIAS DE SAUDADE DO RECIFE!

Mais uma vez, tive que interromper a concatenação do desfecho de outra história decisiva, porque fui acometido por um fantasma de minha própria história que não permite que coisas sejam esquecidas ou reprimidas de uma vez por todas. E a concatenação de um desfecho de uma história decisiva é tão importantíssimo para mim, porque não é a minha vida que é mais importante, não, mas sim as vidas que crio e conto nos livros que escrevo. Como de costume, uma impaciência formigante seguida de uma vontade de chorar imensa me tomou e um nó foi se formando em minha garganta, deixando-me sufocado, e somente aos poucos, após jogar água fria no rosto e decidir verbalizar mais passagens aparentemente insuperáveis de minha vida, pude ir recobrando o ar normal dos pulmões - pulmões de quem vive de surpresas. Mas dessa vez foi mais forte, talvez porque este fim de semana meteorologicamente anormal aqui no Recife, lembrou-me de outros agradáveis dias que agora também camuflam a tristeza que é mais intrínseca a mim do que a própria condição humana:

Foi numa festa no bairro da Boa Vista daquele 19 de março, enquanto mexia nos bolsos a fim de ter o que fazer e atenuar frio de um fim de noite e a timidez de estar num lugar com tantas pessoas - algo que nunca me acostumei - , que nos vimos e nos percebemos pela primeira vez, e eu sabia que a vida a partir dali nunca mais seria a mesma. Na verdade, a vida é o que nasce pra ser, não muda nem se transforma, é preciso apenas descobrir que momento é esse e onde ele se encontra. Por um segundo, senti que esse momento-vida era ali e nada mais podia fazer senão me entregar aquilo que nem sabia do que se tratava, entretanto, de jeito nenhum achava estranho. Fui olhado nos olhos e foi para onde não olhei, não como uma forma de fugir do fato de ter a alma e o sentimento descobertos de uma vez só, mas para manter o mínimo de raciocínio, já que não consigo me manter estável olhando em outros olhos, é preciso coragem, e ainda não tinha. A partir dali, o momento-vida nos queria.

(lapso)

Como dois naturalmente entediados, começamos a frequentar rigorosamente um fliperama onde passamos tantas horas que o fim caótico de minha adolescência ia sendo preenchido por um sentimento que não entendia e crescia tanto, mas esquecia de mensurar. Passamos noites no fliperama e em seguida iamos para casa onde compartilhávamos o melhor e o pior de novas vidas estirados na cama, bebendo Coca, enaltecendo ou discordando das qualidades e problemáticas dos super-heróis que viamos na revistas e ouvindo fitas de Billie Holiday que não sabia se me acalmavam meu coração ou potencializavam a inconsequência que dele queria sair, até as ruas ficarem perigosas. Um cômodo só era pouco, então, gritávamos pela janela. Gostavamos de coisas consideradas diferentes. Com o passar do tempo, o sentimento que não conseguia mensurar e a inconsequência do coração se juntavam, me consumiam, fazendo minhas entranhas fervilharem todas as vezes, todos os dias que nos encontravamos, e então, eu precisava ter a coragem para dizer tudo o que eu sentia, mas era arrefecido pelo medo de perder a intensidade, o aconchego, a descoberta, a segurança, a alegria e o que mais havia naquela companhia. Por vezes quis colocar sua cabeça em meu ombro, acariciando seu rosto e esquecendo moralidades de nossa época. O tempo passava e eu não conseguia, ficava cada vez mais desconsertado e, ao mesmo tempo que me enchia de uma energia calorosa, sentia que morria e morreria se ficasse mais um dia em silêncio. Até que no que dia que ficamos em casa fazendo colagens, bem no início de "The Very Thought Of You", eu ouvi o que não tive coragem de dizer. Eu quase disse tudo que precisava sair. Então, nos abraçamos e beijamos até a fita que ouviamos todos os dias acabar. Não quero e não consigo criar esforços para descrever, vou guardar para mim ou até o fantasma voltar.

Depois desse dia nunca mais nos vimos.