Uma hora é uma coisa, outra é outra coisa. Hora não é nada. Os instantes acontecem tanto, que espera-se desesperadamente apenas que a morte não se demore, porque há um limite para suportar a vida que fica e se revira demais. Enquanto espero na protelação do destino tácito, vou vivendo nesse tipo de superfície volátil, de pessoas voláteis, de corações voláteis, e completamente fria, à medida que o tempo vai comendo o que o pensamento comanda e o que o corpo não faz.
Nesta superfície em que sou obrigado a viver, nos instantes em que sou obrigado a acompanhar, há uma inquietude em se falar do sentimento, mas não se fala, porque também há-se relutância - e mais que isso, um desespero de relutância - em simplesmente deixar sair o que se pede. É deixar a alma se afogar, reprimindo qualquer possibilidade de fruição e libertação de sentimento que tenta sair diante de seus estímulos, de uma paixão explodida, de um agonia crônica. Parece que só se pode ser bom com quem interessar, e esquece-se de ser bom consigo mesmo, deixando-se ser amado. O que quero dizer é que parece que há um pavor inconsequente em amar e ser amado.
Neste lugar em que muitas coisas tem prazo curto, me impregno de saudades progressivas que me alimentam e me corroem em todos os meus dias de sobrevivência justamente por ser eu. Então, volta e volta-se tudo e milhares de instantes antes do estado em que se encontra - em que me encontro. Eu sou bagunçado por natureza e sair deste estado e ser retirado deste estado, faz-me perder-me num escuro destrutivo, onde só com a consciência de que não me posso ser outro, é que saio da cegueira. Por isso, às vezes prefiro não correr o risco, porque andar para frente significa descobrir, e descobrir é sempre um risco. Sim, chega-se a algum lugar, mas e depois, como é que se fica nesse outro novo lugar? E as coisas são mais difíceis para mim, porque tenho adaptação mais lenta. A volatilidade então me deplora. Nunca se sabe se as coisas no futuro terão a mesma ordem do presente e do passado. O descobrimento, então, põe à beira de um mau súbito meu coração e minha paz de espírito que em mim dura até o próximo instante.
Automaticamente, no alto de minha pulsação arfante e da insólita tristeza deste domingo predileto, tenho certo pensamento que o tempo agrava sobre um instante que me aconteceu:
Que sentiste ao sentir-me? Seguraste minha mão já decrépita e tiveste pressa em descobrir-me, como se o próximo instante-luz fosse transformar-me em inexistência. Mas peço-lhe: se não tiveres coragem de suportar meu vício em aventuras, a necessidades por coisas que não entendo, e a loucura que habita meu coração, ama somente minha inexistência e deixa meu coração criar a avidez do próximo instante. Já estou perto de chegar ao momento em que não conseguirei mais falar, então quero dizer somente que ao sentir-te descobri neste instante uma coragem do tamanho do medo que tenho que me trates como líquido.