domingo, maio 31, 2015

LATITUDES & HEARTBEATS!
















Sentei no chão da cozinha e, enquanto segurava aquela carta branca endereçada de Montevidéu, vivi uma espécie de frenesi misturado a um ardor infernal que fazia meus batimentos voarem. Com um nó na garganta, olhei o envelope fixamente e não sabia se teria coragem de abrir, mesmo com uma ansiedade que me fazia querer abraçar o que não existia ou que não tinha nome. 

Estava farto de surpresas, partidas e recomeços, e não queria que minha vida suficientemente rasa se revirasse e transformasse de novo, o que por um tempo até gostei, achando que tudo isso era meu oxigênio já transformado em energia. Mas sabia que desde o momento em que tive aquela carta em minhas mãos, minha vida já não era a mesma mais uma vez. Gostaria apenas de viver sem as coisas intangíveis e simplesmente repetir a rotina até morrer: subir as duas ladeiras de Santa Tereza, virar à esquerda, abrir o portão cinza, fechar a porta branca, tirar o sapato, sentar no jardim, olhar as estrelas, pensar em amores e dormir. 

Por um instante, sentado naquele chão gelado, desviei o olhar e fitei o trecho de um poema de Rimbaud que colocara na geladeira há 11 anos: 

"Pois tu me liberas
Das humanas quimeras,
Dos anseios vãos!
Tu voas então..."

Nesse momento, o tempo, o silêncio e todas as interferências de um plano físico pareciam ter sumido, e só existia eu. Um eu que sempre precisou do vazio e do nada para sobreviver, mas que por vezes tinha a esperança como carrasca. Não sabia se conseguiria passar por esse limbo outra vez. E meu cansaço ia aumentado proporcionalmente à vontade de chorar, o que há muito não fazia. Apoiei os braços sobre o joelho e como um explorador cauteloso que não sabe o que vai encontrar, comecei delicadamente a abrir a carta. Eis:

_________________________

03/02/1995

Sei que prometi não te deixar, mas precisei ir.  


Desde então, já se passaram 11 anos e 2 meses, mas ainda lembro como se fosse hoje e sinto como se fosse hoje a primeira vez que tomamos conhecimento da existência completa um do outro, o que não precisou de muito tempo. Ouvi as batidas do seu coração de longe, mesmo você estando no seu estado mais calmo do mundo como sempre foste. Aí, do outro lado da rua, olhaste-me com a serenidade de um flamingo que não incomoda, e, então, nos encontramos. A partir dali eu não sabia o que fazer, porque tive um sentimento vertiginoso e começava a lhe querer mesmo assim, porque aos poucos a energia de teus olhos me contava que estavas com disposição para partilhar solidão. Precisávamos um do outro, e cada instante precisava cronicamente da tua presença.  

Ouvi seu coração bater num ritmo crescente que beirava a explosão. Era a primeira que ouvia o coração de alguém bater tão de longe, mas tão de perto e forte, e nem sabia que isso era possível, o tanto que tentei me livrar momentaneamente da sensação, mexendo nos ouvidos e apertando os olhos. Achei que pudesse ser a loucura que tentava se apossar por estar tanto tempo sozinho. Mas não era. Também não era sonho, porque sonho, nem ilusão, porque lhe via materializado. 

Foi então que parei de pensar por um segundo e neste exato curto lapso de tempo foi onde me conectei a ti de uma vez. A batida acelerada de seu coração virou trilha sonora enquanto via-te imóvel com as mãos ansiosas e rente ao corpo. Quanto mais olhava, mais tinha vontade de tirar-te dali, mas não sabia como. Queria, mas talvez o medo que lhe habitava por ter passado tanto tempo só e o abismo que nos mantinha separados, fazia com pensasses que eu não existia. Mas, sim, eu existia em carne, corpo, espírito e salvação. Era isso. Eu era tua salvação e estava ali para ser inteiramente seu, partilhar da mesma solidão, segurar tua mão, abraçar-te nas tempestades, cuidar de todas as tuas febres, manter uma amizade verdadeira e viver uma aventura que não recordava de ter vivido.

Talvez o que tenha nos afastado foi sua incredulidade em mim, mesmo eu dizendo todos os dias que gostava de ti - o que era recíproco. Mas sei que a dificuldade em atravessar a rua era o causava seu temor sobre mim e que aumentava sua insegurança. Mas não era impossível atravessar, bastava paciência. Infelizmente, não consegui lhe tirar daquele lugar e o que me restou foi olhar-te em progressiva apatia e sentir as batidas de teu coração esmorecerem pouco a pouco - o que automaticamente me fez começar a entrar num mesmo estado de apatia e tristeza porque não queria me separar de ti. Mas precisei, porque teu medo nos afastou.  

Desculpe, eu estava aqui sentado e resolvi contar o que sinto e não consegui falar.






Fim
...

sexta-feira, maio 29, 2015

OS DOIS EXTREMOS DO MUNDO!























Foi lindo aquele dia em a coragem tomou teu corpo e sorrateiramente foste segurando  minha mão com uma delicadeza e um envolvimento tão grande, que esqueci que eu existia bem aqui, no olho desse furacão que é a vida na Terra. A cada nanocentrímetro meu que era tocado, uma parte por vez do meu corpo ia sendo desaquietada e respondia internamente com pululos bruscos de um ar quente que se expandia e se comprimia descompassadamente. À medida que esse movimento descontrolado se intensificava, chamava por um Deus que nem sabia se me ouvia e pedia que aquilo que, hora era prazer, hora era afago, nunca acabasse. Não, não  ficaria alí até o sol nascer por três dias seguidos, isso é pouco, mas uma vida inteira, porque não meço nada. 

Aí o tempo parecia ir mais devagar, mesmo que nós dois estivéssemos nos movendo na velocidade de um raio agressivo que procura seu destino, caminhando para alguma coisa que nem nós mesmos conhecíamos. Eu com um medo vacilante, mas com a sede de viver todas as inconsequências de um jovem de uma vez só; você calado sem dar uma pista sobre seu âmago, mas com o calor de quem tem o amor no lugar do sangue. 

Todas as vezes que tua mão se encaixava organicamente na minha era como se fôssemos um do outro e, então, me sentia guardado com um carinho enorme. E cada vez que ela voltava suavemente a deslizar sobre a minha e devorava-a por completo sentia mais vontade de tê-la. Uma vontade que, aliada a tuas promessas de amor, me tirava as palavras, deixando-me inerme, somente com uma tímida sensualidade que intencionava lhe dizer "este corpo necessita de ti".Você se lembra? Por hora, parecia que nossas almas eram duas velhas conhecidas e amigas, que nunca se separaram, e que em todos os corpos que já habitaram, deram um jeito de encontrar e se amar. 

Por essa hora estás aqui, com a cabeça cansada em meu peito, ouvindo pornograficamente meu coração exibir regozijo e desalento, enquanto o domingo passa, e esperando que as maiores e melhores coisas do mundo saiam de dentro de mim e crescentemente lhe invadam, dia após dias, silêncio vencido após silêncio vencido. Foste chegando, chegando, eu não sabia o que fazer, simplesmente aceitei, e de repente, já tinhas fincado um hospedeiro dentro de mim que me fazia suplicar por sua presença todos os dias, o dia inteiro, sem que nem mesmo pudesse perceber que, na verdade, a falta de frio que faz agora, é calor em excesso absorvido de ti. 

Em nosso primeiro hiato, senti falta da tua voz e a ouvia principalmente nos lugares mais barulhentos por onde passava. No segundo hiato, senti falta da tua companhia que mesmo em tão pouco tempo de convívio já era como um destino certo que queria abraçar. No terceiro, não conseguia mais respirar e definhava com o frio agravado pela solidão de uma cidade em que as pessoas não se olham. 

Você ali, repousado sobre em mim, nossa respiração de dois seres equilibradamente vacilantes se fundiam, e uma atmosfera utópica aparecia. Por um momento achei foste me abraçar forte e nunca mais me largaria. Mas tenho mais medo porque somos seres humanos. Somos dois corpos. Somos dois animais instintivos. Somos dois, e não sei se consigo fundir-nos, porque não sou forte o suficiente pra suportar viver sem ler pensamentos. 

Fica aqui, segura minha mão e vamos escolher qual será o próximo extremo que iremos juntos.

domingo, maio 17, 2015

INÉRCIA!
















Defronte a ti,
Olhei-te destemidamente em meio a uma lisergia suave e
Misturei-me a mangues densos, incertezas.

Num rastejo de perigosa emoção,
Senti como quem dispara um tiro no escuro,
E arfantemente, amei-te na mesma hora dentro de mim.
Mais dentro de mim, de mim, de mim, de mimdemimdemimdemim,
penetrando displicentemente o inexistente no coração.

Mas, dentro de mim, o que acontece se mantém imaculado e
nunca se transforma, apenas fica e circula, como a sensação de
sentir o movimento infinitamente agoniante da Terra.

Fiquei inerte.

Temi a revolução.

Olhei-te.
Esgotei-te.
Amei-te
uma
última
vez.

O instante já era outro.

INTRANSPONIBILIDADE!





   Parece que o país vai se acabar dominado por uma loucura que fatalmente cega. São tempos catabólicos. E eu só consigo pensar que desde que estive no Rio de Janeiro pela primeira vez, no mês passado, uma das maiores preocupações da minha vida sempre foi ter aquele buffet de jacarandá com pés palito que vi numa loja de esquina, em Botafogo. Desculpe, é que me apaixono rápido demais e passo tantas noites sem dormir cultivando e cuidando (dos sentimentos) que não consigo lidar com impropérios que exigem de mim ser uma máquina ou um deus do Olimpo. 

Os tempos mudaram desde voltei e desci na plataforma do trem naquele outono de 1968, carregando só uma mala parda e o casaco no mesmo tom que só servira para charme. Notei, então, só pelo ar, que algumas coisas se perderam e outras foram extinguidas à força. Senti uma vontade imensa de sentar na plataforma com as pernas livres e suspensas sobre os trilhos. Mas depois de olhar ao redor e imaginar que poderia haver uma certa coerção, baixei a cabeça e tomei meu rumo até os bancos de madeira que, para minha surpresa, haviam sido agressivamente pintados de verde. 

Coloquei a pequena bagagem sobre o colo e repousei o casaco sobre o braço, e, aos poucos, tentei achar uma posição confortável o que parecia quase impossível pelo fato da curvatura do banco não ser nada ergonômica e pela agonia que me tomava por não entender o porquê de terem pintado o banco de verde. Não tinha nada a ver com o resto da estação que era toda projetada com motivos art déco em tons terrosos e detalhes de ferro. Pensei como algumas decisões na vida são arbitrárias e desprovidas de qualquer mensuração de consequência. E isso não tem nada a ver com inconsequência, é outra coisa completamente diferente. Ali eu tive vontade de não sentir mais a mesma vida que vinha sentindo. 

Irrequieto com tudo isso, à medida que cada pensamento era um golpe que secava a garganta, tentava manter a paciência de esperar o segundo e último trem até a estação mais próxima da pensão. É, os tempos me afetam, mas não consigo reagir. Enquanto, olhava o céu nebuloso, me dei conta que muita coisa ainda se repete: continuo amando rápido do mesmo jeito; continuo com as mãos suando quando me olham demais; continuo na tentativa de ler pensamentos anônimos e intrigado com a gente que se porta serenamente na estação; continuo querendo a solidão e uma revolução ao mesmo tempo na minha vida; continuo sem saber se acredito em mim mesmo. Todas são muito resistentes a mudança. E para cada coisa repetida, formavam-se ramificações de 10, 15 até 20 sub-pensamentos. E sempre termina no nada.

Por isso, ao mesmo tempo que tenho um medo danado de simplesmente viver, sem ficar pensando e falando demais ou em quais horas devo ser racional ou emocional, tenho uma vontade crônica que fica pulsando na cabeça de dizer todos os dias coisas de afeto, coisas que se sente e que precisam ser ditas antes que transbordem. 

Como fica o corpo que não diz nada? Não sei se tento esquecer do mundo de uma vez por todas ou se continuo. Gostaria que as coisas fossem mais simples. Que sentir fosse mais simples. Que viver fosse mais simples. Que se apaixonar fosse mais simples. Que saudade fosse mais simples. Que ser um animal pensante fosse somente um detalhe. Que a ordem natural das coisas fosse mais simples. Nem o natural é simples, porque, na verdade, é só forma de tentar mascarar o que não se sabe ou não se consegue fazer. Não vou dizer que preferia não sentir nada disso. Não, eu quero, até porque faz parte da essência humana. 

Mas é preciso não esperar nada e se tem uma que já tentei nessa vida foi viver sem expectativa, e digo: "quase morri". Aliás, esqueci o relógio em algum lugar, o da estação parou e enquanto estava absorto em tudo que a volta para a cidade me causou, todos foram embora sem que sequer percebesse. Não tinha mais como saber a hora, nem quando o trem iria chegar. Ia ter que esperar o trem não sei mais por quanto tempo. Sozinho. 

A VIDA QUE NÃO TEM FIM!

Desde a partida de Carlos Andrade, tenho lidado bem com despedidas, expectativas e esquecimentos. Não precisei pensar muito ou esperar uma epifania para sentir profundamente que uma hora esquece-se tudo que se quer ou o que se precisa esquecer, e que qualquer apelo para lembrança será indiferente. Mas acho até que esqueci demais, esqueci o que não queria, o que não precisava ou não deveria. Esqueci de mim mesmo. Aí passei a perambular por uma inconsequência como quem apenas sobrevive esperando que a vida acabe no instante seguinte ou simplesmente como alguém que foi sufocado uma vida inteira e agora clama por uma liberdade de ser, a qual se caça como o último animal da temporada no bosque. O animal é muito maior que tudo e que eu, sem precisar fazer qualquer esforço. Fitei-o, e fui levado a seu ninho sem qualquer relutância.  

Mas dizem que tudo na vida tem uma consequência, aí é-se obrigado a aceitar o que vier na tentativa de se viver em paz. Isso talvez seja um outro problema, mais um problema, o que me faz crer que uma vida assim é impossível. Achei que tivesse conseguido bem sem nada, e cheguei a viver por um tempo sem sentir falta de nada e medo de nada ou de ninguém. Mas basta um estalo para perceber que tudo é igual, que a tristeza é uma amiga fiel, a saudade é uma extensão da alma e, que esse tempo destemidamente diferente não passou de uma alucinação febril. Então, começo tudo de novo, o que é uma coisa fadada a mim. Sou essencialmente nada. Nada porque o nada em um momento já foi tudo. Nunca consigo me transformar, apenas volto para o que sempre fui, depois da morte de cada ciclo que se encerra naturalmente ou que sou obrigado a encerrar. E começar tudo do começo cansa tanto. 

Passei um tempo sendo cuidado por aquele animal, em estado de encubação. Sempre estive certo que era aquilo que queria e precisava, e fui vivendo, me alimentando, a fim de me tornar um filhote da liberdade suficientemente pronto para ser a própria liberdade. Sempre achei que procurava uma liberdade, uma liberdade salvadora, que me desse a ávida esperança de experimentar a normalidade cartesiana das coisas. A liberdade do calor que Carlos Andrade me dera, na verdade, que eu tentara sugar para suprir a falta de seu toque invisível. Mas a verdade é que sempre procurei Carlos Andrade em todos os lugares, a vida inteira. Esse é o motivo de tanta agonia. É desespero. A verdade é que a liberdade é eternamente cíclica e que Carlos Andrade estará em qualquer lugar que eu for.

É tão cansativo mesmo que, às vezes, só o que se quer é uma mão para segurar.
Entende o que digo?