sexta-feira, março 13, 2015

COUP DE TOUT (O MAIOR SEGREDO DAS AVENTURAS)























Acordei quatro e meia da manhã com a sensação de uma amplitude térmica que jamais sentira e imaginara aqui. Às vezes subestimo a capacidade de tudo me surpreender, e, às vezes, não me deixo mesmo surpreender nem pelos lugares, pessoas, animais ou coisas. Tão cedo, tão abrupto e eu já com uma sensação completamente clara que agoniava cronicamente corpo e subconsciente, e que eu nem sabia o que fazer com aquela coisa toda de repente que ao mesmo tempo me fazia querer correr e ficar inerte. 

Levantei com a estranheza pulsante de quem acorda ansioso para começar algo novo. No meu caso, voltar a ser sozinho mais uma vez, do jeito que sempre fui, do jeito que sempre amei, mas do jeito nunca me permitiram, porque sempre tentam me tirar da minha verdadeira origem. Na verdade, a solidão é algo intrínseco a quem mora na cidade de São Paulo; tem-se a ilusão de se ter algo, mas não se tem nada, apenas a certeza de que as coisas "simplesmente existem" como bem disse um outro amigo meu que mora aqui perto, mas só vejo no máximo seis vezes por ano. Levantei como não se não sentisse o chão e involuntariamente fui até o sofá, onde continuei a sentir um frio descomunal. 

Sempre soube que entre às quatro e cinco da manhã as coisas não são fáceis. Existe um ar pesado que se mistura a um silêncio tão bruto que parece ganhar vida e que faria até Poe vacilar. Já havia sentido medo repetidas vezes, até porque já havia sido obrigado a recomeçar a solidão infinitas vezes, e isso me causa um medo grande demais. É que o costume em não sentir mais nada só vem aos poucos. Mas agora foi diferente, talvez porque criei a consciência da naturalidade de se ser plenamente só. 

Enquanto, me recolhia mais e mais no sofá, talvez tentando voltar ao estado de segurança fetal, e era violentado pela agressividade e calmaria da madrugada pensei em tomar um café, mas me ative. Há certo tempo tenho vivido com uma vontade de vomitar que me acomete sempre depois do momento em que termino de ingerir meu sagrado café matinal.Ou simplesmente meu café, porque sagrado é uma coisa que venho refletindo. Sagrado remete a algo que é tão importante, tão caro e tão certo no coração e na mente que não sei se cabe ou se se encaixa perfeitamente nos meus dias, que andam bagunçados a ponto de não saber o que fazer mais o que fazer com eles. Eles que me fazem. Talvez seja por isso que o café - uma das coisas mais importantes da minha vida - não se sinta mais a vontade dentro de mim. Eu disse que esse seria um tempo difícil. Aí, na tentativa de deixar tudo isso menos, somente menos, resolvi começar a fazer uma coisa que me deixa vivo, mas que não o faço há meses. Sentei na mesa, peguei o papel de sempre e comecei:

Amo aventuras. Sempre amei, e quando me levam ou 
entro em alguma fecho os olhos suavemente para sentir a força e
o prazer com que, deliciosamente, me arrebata e me arrebenta a
sobrevivência, e toda a intensidade e voluptuosidade delas agindo
sobre mim, escorrendo quente pela boca,  à medida que 
vou perdendo o controle da vida sobre mim e
potencializando o espírito de liberdade adolescente.

Amo como elas me prendem, 
me percorrem abruptamente e 
me fazem querer viver coup de tout
sem me importar se o fim vai ser verossímil ou se mesmo vai ter fim, 
desprezando os rastros de restos que me ficam velados.


Simplesmente me entrego.


E agora fui de uma vez, 
tomado por um sentimento tão delicado que acalma e irrequieta o coração,
deixando a respiração arfante, e 
por um fluído sensual que sinto, mas nunca vi,
só conheço nas mais ontológicas profundezas
da fusão entre desejo e reprimenda; 
é onde se conhece céu e inferno.
Egoísmo de quem sabe o que diz, e que
não é menos que um homem ordinário e
não mais que Dom Quixote.
Dom Quixote.
É dom.
Dom se nasce. Não se nega.
Nunca tive medo, mesmo tomado por
uma ardência que me faz ficar cansado e
querer desistir de tudo.


Não consigo parar, e
Se tento é como se um raio enfeitiçado me atingisse e
ficasse paralisado de vez.


Alguns amam os espíritos que enxergam;
eu amo as aventuras, que me matam e
me fazem ter um rumo, mesmo sem saber qual é.